Desabrochar

A chuva não parou naquela tarde de Novembro. Sem vento ou frio, caia fria e inerte, como o corpo que horas antes se desligava da vida. Marta ouviu as palavras do sacerdote sobre vida eterna, mas tudo isso lhe pareceu vazio e gelado, como as gotas que se enrolavam na face com as lágrimas. Nas semanas seguintes a alma foi-se confundido com o boletim meteorológico. Primeiro a precipitação de lágrimas contínua mas serena, por um coração dormente de dor. Com a saudade veio o vento de raiva. Aquele inverno ficou na memória dos homens pela fúria do mar que engoliu terra e gente como nunca antes. Em Abril, com os primeiros raios quentes de sol, veio uma dor nova. Marta deu entrada no hospital durante a aurora primaveril. Poucas horas depois estava no quarto com a Maria Flor nos braços. Recordou-se do início, do primeiro beijo dado no banco do jardim do bairro. Tinham passado precisamente quatro anos. Os jovens malmequeres desabrochados e as andorinhas acabadas de chegar foram as testemunhas do nascimento daquele amor. Agora reencontrava os mesmos lábios grossos e olhos amendoados. Não podia apagar os estragos do inverno, mas podia regar a semente da vida.

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