O ano da Covid-19


Hoje faz anos que a minha bisavó Rosa morreu. Sou fraca em datas, mas esta efeméride vem-me sempre à memória por ser dia das mentiras. Não sei quantos anos já passaram, mas sempre mais de 25 anos. A minha mãe chegou ao final da tarde do trabalho e a minha tia disse-lhe, sem aviso:

- A avó Rosa morreu.

- Não se brinca com essas coisas! – respondeu a minha mãe.

Mas não era uma mentira de 1 de abril. A avó Rosa tinha mesmo morrido. Assim, de repente, sentada à lareira, recostou-se para trás e adormeceu. Não a vi, mas contam que o rosto estava tranquilo, sem sinais de sofrimento. Uma forma tranquila e simples de morrer. Lembro-me dela do seu corpo magro e seco pelas dificuldades da vida. Tinha um olhar doce e gestos simpáticos. Mas não tenho muitas memórias dela, via-a poucas vezes. Não me lembro do funeral, mas lembro-me de algumas festas repletas de filhos, netos, bisnetos. A família é grande, enchia-lhe a casa.
Este ano, ano do Coronavírus, ano do isolamento social, ano em que o mundo vai mudar, penso no que representa nestes dias perder alguém sem ter a liberdade de procurar consolo num abraço amigo. Vivemos mais isolados, sofremos mais sozinhos. São poucos os ombros reais, aquecidos pelo sangue que corre em nós, que nos sobram para chorarmos a despedida. Sabemos que os nossos amigos continuam a acompanhar-nos, mas esse consolo certamente não irá substituir aquele abraço.
Este é o ano da Covid-19. Que bom seria se fosse mentira. Mas não é.

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