Olá, eu sou o Jaw



O meu primeiro ano de vida é uma incógnita. Fui encontrado depois de ter sido atropelado. Tinha o maxilar partido e a bacia em mau estado, a sofrer muito e esfomeado. Felizmente consegui recuperar e depois ela veio-me buscar.

No início fiquei um bocadinho assustado com a casa nova e aquele par de jarras que não se cansava de olhar para mim, fazer-me festas e meiguices. Comecei a gostar deles. 

Nunca gostei de colo, mas fui muito feliz esticado no chão e nas minhas camas a receber mimos. Ela que diz que eu sou a luz dos olhos dela, talvez porque partilhamos a cor azul.

Eu até me apercebi que no início ela ficou pelos cabelos com os meus pêlos, mas depois, deixou de os ver. Consigo ver ainda os sorrisos despontados pelo meu gosto em enrolar tapetes, roer atacadores e atirar-me para o chão à frente deles, à espera de mais uma sessão de mimos.

Sei que ela ainda me vê no canto inferior direito da cama quando entra no quarto. E que ainda sente o macio do meu pêlo. E que ainda sente os meus dentinhos tortos a roer-lhe as unhas. Eu sinto a falta das massagens com a luva cor de rosa, como eu ronronava com elas. Não tive tempo de estrear aquela luva comprada na promoção do Lidl.

A leucemia e as outras doenças encurtaram-me a vida. Não me deram tempo para todos os mimos que estavam reservados para mim. Não me deixaram enroscar aos pés deles no inverno. Não conseguimos tirar aquela foto juntos. Era suposto termos mais tempo.

Mas apesar de tudo, agora estou bem. Acabou-se o sofrimento e a dor. E houve muita dor. Fui operado, sedado, internado vezes sem fim. Lembro-me dela me ir visitar com os olhos vermelhos. Não consegui dar-lhe um único miado, estava demasiado sedado. 

A dor que retirou o brilho dos meus olhos  colocou lágrimas no dela. A luz dos olhos dela foi descansar.


Pode haver limites no amor? Não e eu sou a prova disso.


Escrito a 8 de setembro, publicado a 8 de outubro de 2016.

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